quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Sainte-Chapelle - capela superior - interior

A capela superior, além de ser também colorida e cheia de detalhes dourados, é praticamente toda formada por vitrais separados por colunas de pedra com 15 metros de altura.















São 16 "janelas" ao todo e nelas estão representadas mais de mil cenas bíblicas, começando pelo Gênesis e terminando no Apocalipse. Há apenas um vitral com temática não-biblíca, na janela final, que conta como a sagrada relíquia chegou a Paris.


Por falta de um manual, ficou complicado acompanhar toda a sequência, pois além de haver muitos outros turistas no local, dificultando a circulação, os vitrais estão numa altura bastante elevada. O ideal seria que tivéssemos um binóculo para enxergar direito as figuras representadas... porém o grupo não contava com a minha astúcia! Muito prevenida, eu havia levado um pequeno binóculo de bolso para que não perdêssemos nenhum detalhe!

O outro "probleminha", porém, é que não bastava enxergar, precisávamos identificar a que passagem da Bíblia o vitral se referia, e aí a coisa ficou um pouquinho mais complicada...


















A parte onde não havia vitrais era tão colorida quanto a capela inferior, o que não agradou muito ao Ivan que a considerou excessivamente carnavalesca.



Além disso, a capela superior estava passando por limpeza e restauração, então havia tapumes nos vitrais do fundo e alguns objetos no meio do caminho que, provavelmente, não tinham muito a ver como o local e suas funções, fossem sagradas ou turísticas.










Aliás, essa não foi a única vez que a Sainte-Chapelle passou por uma restauração: como a maior parte dos monumentos religiosos de Paris, durante a Revolução Francesa foram destruídos os assentos do coro e o painel principal do altar. Quanto a seus vitrais, eles escaparam do vandalismo meio que por acaso: como forma de mostrar seu desprezo e anticlericalismo frente à construção que foi erguida para guardar uma das mais preciosas relíquias cristãs, os revolucionários transformaram a capela em escritório administrativo, colocando enormes armários que esconderam e protegeram a maior parte dos vitrais.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Sainte-Chapelle - capela inferior

Depois do ótimo almoço, seguimos para a visita à Sainte-Chapelle. Passamos por uma fila na entrada do Palácio da Justiça, pela bilheteria onde tínhamos comprado os ingressos pela manhã e... cadê a entrada? Por sugestão do Luís, continuamos e viramos a esquina, mas demos de cara com as paredes da Conciergerie e, apesar de vermos o pináculo da capela no interior desses muros, não havia indicação de qualquer portão por aquele lado.

Resolvemos voltar e descobrimos que aquela fila pela qual havíamos passado era formada por um monte de gente que pretendia ir ao mesmo local que nós. Acontece que, originariamente, o local onde hoje fica o Palácio da Justiça era o palácio real, e hoje a capela fica num pátio cercada pelos prédios dos tribunais e outros setores ligados ao poder judiciário francês.

Pegamos a fila menor, já que não precisávamos comprar ingressos, e tivemos que passar por detectores de metal e colocar bolsas e mochilas pra serem examinadas pelo raio X. O curioso é que de vez em quando alguém "furava" a fila: advogados, por exemplo, ou mesmo pessoas comuns que estavam indo ao Palácio da Justiça cuidar da vida e não tinham tempo pra ficar esperando aquela leva de turistas.

Pelo fato da capela ficar cercada por outros prédios, é muito difícil ter-se uma vista total da construção, então tivemos que registrá-la aos pedaços.


A primeira visão externa que temos é a de uma das laterais, bem como do pináculo reconstruído por Viollet-le-Duc, pois o original foi destruído durante a Revolução Francesa. É possível perceber também que a maior parte da construção é composta de vitrais.


A Sainte-Chapelle foi construída no reinado de Luís IX, posteriormente São Luís, que durante sua participação na sétima cruzada comprou do rei Balduíno II, em Constantinopla, a coroa de espinhos de Cristo. A capela, portanto, tinha como função a guarda dessa relíquia e, por isso, teve uma construção muito rápida: o projeto, seguindo a orientação para que ela tivesse a forma de um relicário, é de 1241, ela foi iniciada em 1246 e concluída dois anos depois.

A flor-de-lis, símbolo da monarquia francesa, está presente na decoração externa, bem como figuras humanas bastante estranhas que parecem estar no lugar de gárgulas, funcionando como canais para o escoamento da água da chuva.














Por estar tão cercadas de outras construções, ficava difícil ter uma visão completa do exterior da capela.








Mesmo assim era possível perceber, numa vista frontal, que tratam-se de duas capelas sobrepostas: a inferior destinada aos funcionários e moradores do palácio, e a superior para uso da família real.







No tímpano da capela inferior havia a cena da coroação da virgem, bastante semelhante ao do Portal da Virgem da Notre-Dame: Cristo abençoa a mãe, um anjo vem colocar-lhe a coroa na cabeça e dois anjos, um de cada lado do casal central, portam candelabros.


Não há, porém, o detalhamento de uma série de figuras nas arquivoltas, talvez devido a rapidez com que a construção foi realizada, impedindo a criação de detalhes decorativos mais elaborados.





No pilar central temos a imagem da virgem com o menino no colo e, sob seus pés, uma figura que parece ter cabeça humana, feminina até, mas com um corpo de animal e patas com garras. Essa estátua de Maria, porém, não é a original, que se encontra no museu do Louvre.












Decorando a base desse portal de entrada, há relevos da flor-de-lis, representando a França e o rei Luís IX, e outros de castelos, simbolizando a rainha-mãe, Branca de Castela, que foi regente após a morte do marido e mesmo depois que o filho assumiu integralmente o trono, continuou como sua conselheira.


Ao entrar na capela inferior, uma surpresa: ela é escandalosamente colorida, de uma forma a que não estamos acostumados a ver em igrejas.














Esse, porém, era o padrão utilizado na Idade Média, e se repete em todos os espaços da capela inferior, bem como na pintura do teto onde fica o encontro dos arcos.


O dourado também é bastante presente, uma vez que simbolizava a riqueza e o poder, e podia ser visto no ícones que decoravam internamente a capela inferior. Além das cores e do ouro, pedras coloridas compunham a moldura para as personagens sagradas.































Os delicados vitrais na capela inferior, por sua vez, já nos preparavam para o que iríamos encontrar subindo a escada em caracol.







terça-feira, 7 de setembro de 2010

Escargots!

Saindo da Notre-Dame, seguimos para o Quartier Latin e nesse dia resolvemos fazer a coisa certa e comer na hora de comer. Isso porque, nos dias anteriores, ficamos tão empolgados com o que estávamos vendo que fomos deixando pra almoçar mais tarde e não aproveitamos as possibilidades que os restaurantes oferecem. Entre meio-dia e duas da tarde, a maioria dos restaurantes oferecem o plate de jour: por um valor que varia entre € 10,00 e € 17,00 (dependendo do bairro e do restaurante) é possível escolher uma entrada e um prato principal ou um prato principal e uma sobremesa. No caso do Quartier Latin, como é tradicionalmente local de estudantes e mochileiro era possível ter um almoço completo, com entrada, prato principal e sobremesa.








A variedade de restaurantes é enorme: cozinha francesa provençal, frutos do mar, comida grega, pizza, sanduíche... Optamos por um que oferecia escargots entre as entradas do plate de jour.





O interior do lugar era super brega, com coisas penduradas nas paredes e no teto, parecendo aquelas cantinas italianas do Brás ou do Bixiga, em São Paulo, e por isso mesmo, muito à vontade e aconchegante. Havia até a cabeça de um javali empalhado numa das paredes, mas a foto dele não ficou boa.


Ivan e eu pedimos os escargots e fizemos bonito: usamos as pinças direitinho e tiramos os bichinhos de dentro das cascas com aquele garfinho chique sem fazer nenhum deles sair voando pela mesa. Apesar de muita gente ter nojo, o escargot tem a consistência parecida com a de um marisco e o sabor é principalmente o do tempero com o qual ele é preparado, geralmente bastante salsinha, azeite e alho.

Confirmamos nessa refeição que a hora de comer é o momento sagrado dos franceses. Eles normalmente correm o tempo todo: no trânsito, com a mão na buzinha e dirigindo como loucos, no metrô, correndo pela esquerda como se nunca mais fosse chegar um trem, na cidade, atravessando as ruas antes do sinal abrir. Porém, quando sentam-se pra comer, é o maior sossego.

O garçom chega com o cardápio e já traz o pão e a jarrinha com água. Volta uns minutos depois pra ver a bebida que escolhemos. Quando traz as bebidas, é só isso, não fica pra pegar o pedido, porque, afinal, temos que ter tempo pra escolher com calma entre as várias opções. Volta depois de algum tempo e pega os pedidos das entradas. Elas demoram um pouco mas valem a pena. Só quando acabamos com elas é que ele volta pra saber quais serão os pratos principais.

Nesse dia, a não ser a Rejane, escolhemos carne: boeuf borguignon (uma espécie de "cozido da mãe", conforme disse o Ivan, mas com um molho com vinho) e uma espécie de filé com molhos a escolher: bernaise (mais ou menos uma maionese quente, foi a escolha do Luís), au poivre (com pimenta, foi meu preferido) ou béchamel (o nosso conhecido molho branco).

Os pratos demoram um pouco e eu fiquei só imaginando como estariam meu irmão e minha cunhada se estivessem com a gente. Eles são super impacientes quando estamos num restaurante, ficam agoniados pra todo mundo escolher o que vai comer, escrevendo o pedido num guardanapo e passando pro garçom pra não perder tempo. Iam tem um troço!

Mas a espera valeu, a comida estava deliciosa e ainda deu tempo da gente trocar impressões sobre o que vimos. Uma das coisas que chama atenção é a maneira das francesas se vestirem. Como era verão, a maioria absoluta usava vestidos ou saias em tecidos leves e com estampas delicadas. Tudo muito feminino, bem diferente do esquema brasileiro em que a mulherada tem que se embalar a vácuo pra se sentir atraente. Lá não tem aquelas calças ou blusas super justas que parecem que vão estourar caso a pessoa dê um espirro, nem decotes exagerados ou calças quase no púbis. E nem por isso elas deixam de ser atraentes, com as sainhas curtas e esvoaçantes.

Após a sobremesa circulamos um pouco mais pelas ruas do Quartier Latin para seguir rumo à Saint Chapelle, nossa próxima parada. E só pra não passarmos por mentirosos dizendo que não vimos cachorros ou gatos pela rua, encontramos um gatinho embaixo da mesa de outro restaurante.


quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Portal do Juízo Final - Jesus mestre

Descendo o olhar daqueles múltiplos relevos tão vivos nas arquivoltas, ficamos frente a frente com uma estátua de Cristo no pilar central e a porta propriamente dita - no caso dos outros elas não eram visíveis porque estavam totalmente abertas, uma para a entrada e outra para a saída dos visitantes. Ela é toda decorada com elementos que lembram galhos de árvores e folhas que se entrelaçam.







Nessa estátua Jesus é representado como o mestre, aquele que ensina, portando um livro numa das mãos e postado sobre um pedestal esculpido com os símbolos das artes liberais.








À esquerda do pilar central estão seis dos apóstolos: Bartolomeu, Simão, Tiago Menor, André, João e Pedro. O fato de Bartolomeu estar sem as mãos parece ser casual, não tem ligação com sua vida, pois segundo a tradição, ele morreu esfolado e decapitado. Simão não teve melhor sorte: foi cortado ao meio vivo por um serrote. Quanto a Tiago Menor, apesar da parte boa (foi o primeiro bispo de Jerusalém), por recusar-se a denunciar outros cristãos durante uma das constantes perseguições ocorridas na Palestina, foi atirado do pináculo do Templo de Salomão. André era irmão de Pedro, e Cristo, ao chamá-los para serem Seus discípulos, disse que faria de ambos "pescadores de homens". O martírio de André foi a crucificação, mas como não se julgava digno de ser martirizado da mesma forma que seu Mestre, pediu para que o sacrifício fosse feito numa cruz em forma de "x", que ainda hoje é chamada de "Cruz de Santo André". João era o discípulo mais novo, tinha vinte e poucos anos quando se juntou ao grupo dos apóstolos. Foi chamado por Cristo de "discípulo amado" (por isso aquela explicação meio sem noção do Código da Vinci dizendo que a imagem próxima a Jesus na Santa Ceia não é de um discípulo e sim de Maria Madalena), tendo acompanhado seu Mestre quando Ele foi preso e permanecendo até sua morte na cruz, recebendo a missão de cuidar de Maria. Segundo a visão protestante, Jesus não foi o único filho de Maria, porém era o mais velho, e por isso teria a responsabilidade de cuidar da mãe após a morte de José, fardo que passa para aquele entre seus discípulos de quem era mais próximo. Ele é também um dos evangelistas e considerado o maior teólogo entre eles, por isso é representado pela águia, que voa alto e faz seu ninho nos picos mais elevados. Talvez por ser tão amado por Cristo, foi um dos poucos que teve morte natural ou então, conforme algumas interpretações dos textos bíblicos, nunca passou pela morte. Quanto a Pedro, que se chamava Simão, é o mais humano deles no sentido da dúvida, do medo, e por fim da aceitação de ser o representante da fé cristã e fundador da Igreja de Roma, tendo sido seu primeiro bispo (por isso o catolicismo é "apostólico" e "romano"). Recebeu de Cristo o nome de Pedro, significando pedra, ou rocha. Condenado a ser crucificado, como seu irmão não se considerava digno de sofrer da mesma forma que Jesus, e por isso foi colocado na cruz de cabeça para baixo.


Do lado direito estão outros seis apóstolos: Paulo, Tiago Maior, Tomé, Filipe, Judas e Mateus. Paulo, que se chamava Saulo, era cidadão romano e perseguidor de cristãos. Converteu-se quando, no caminho de Damasco, foi cegado por uma forte luz que o fez cair do cavalo e ouviu uma voz que questionava: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" Foi o discípulo mais culto e o principal responsável pela difusão do cristianismo entre a população não judaica, inclusive porque seu conhecimento da filosofia grega criou condições para fazer a "ponte" entre diferentes formas de pensamento. Condenado à morte por Nero, escapou de ser crucificado por ser cidadão romano, tendo sido decapitado. Tiago Maior é o Santiago de Compostela. Foi o primeiro dos apóstolos a morrer, decapitado, e sua morte é a única, entre as dos apóstolos, que está narrada na Bíblia. Tomé é o que não acredita que Jesus ressucitou e pede para tocar suas chagas para ter certeza de que ele é mesmo o Cristo. Encontra a morte na Índia, para onde se dirigira para pregar a religião cristã, atingido pelas lanças de quatro soldados. Filipe era um homem casado e tinha duas filhas, mas nem por isso deixou de seguir Jesus. Consta, inclusive, que chegou a realizar milagres e foi martirizado com a crucificação e o apedrejamento. Judas é o apóstolo traidor, que entrega Cristo aos romanos por 30 dinheiros. O motivo dele ter feito isso é interpretado de forma diferente pelos evangelistas: para Mateus e Marcos, a razão foi a sua avareza; para Lucas e João, foi a influência do próprio Satanás. Atualmente há uma corrente que especula se não teria sido ele o apóstolo mais injustiçado, pois teria traído Jesus para que o sacrifício d'Ele pudesse ocorrer e assim o pecado do homem ser redimido. (Se for assim, ele é o antepassado direto do professor Snape...) Seja por culpa ou para cumprir seu papel até o fim, as escrituras assinalam que ele se suicidou após o martírio de seu Mestre na cruz. Mateus era publicano (cobrador de impostos) e tornou-se discípulo de Cristo quando recebeu a ordem "Segue-me". É um dos evangelistas, representado pelo homem, pois inicia seus textos com a genealogia de Jesus, mostrando sua origem e descendência humanas.


É curioso notar que ao colocar Paulo entre os apóstolos, um dos doze que efetivamente conviveu com Cristo ficou de fora: Judas Tadeu.

Aos pés dos doze apóstolos há medalhões representando as virtudes cristãs e os vícios correspondentes. Por exemplo, entre as virtudes estão a coragem, a temperança e a modéstia. Correspondendo a cada uma delas há os vícios por excesso e por falta da virtude. No caso da coragem, o vício tanto pode ser a covardia quanto a temeridade; em relação à temperança, temos a insensibilidade ou a libertinagem; e para a modéstia, há a timidez ou a falta de vergonha.


Porém, mesmo no portal do Juízo Final, a esperança é a última que morre: nas duas laterais da porta há imagens de virgens. As da nossa esquerda (à direita de Cristo, do lado onde estão as almas que vão para o céu, lá no lintel) carregam uma lamparina acesa, demonstrando a luz no fim do túnel. Já as do outro lado são as virgens "loucas", ou tolas, e as lamparinas delas há muito que se apagaram...

A essa altura, achávamos que tínhamos visto tudo o que havia para ver, mas foi aí que o Ivan propôs um quizz: encontre os evangelistas! Olha daqui, procura de lá, e não é que encontramos os símbolos dos quatro? Estavam junto aos pés dos apóstolos, cada uma numa ponta - interna ou externa: estatuetas muito graciosas com o homem, o boi, a águia e o leão, todas em tamanho pequeno e com aparência de bicho de pelúcia.























Apesar da beleza do que estávamos vendo, chegamos à conclusão de que já estava na hora de sairmos dali e procurar um lugar pra almoçar, mesmo porque os ingressos para a programação da tarde já estavam comprados e não podíamos perder tempo.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Portal do Juízo Final - o julgamento

As igrejas românicas, cujo estilo é anterior ao gótico, são de um período em que o poder da Igreja repousava nas mãos dos monges e abades, iniciadores dos fieis no mistério da fé. Esse domínio se expressa inclusive na iconografia, o que faz com que as figuras centrais dos portais das igrejas desse estilo representem o Cristo em ascensão. Já no período em que o gótico predomina, a autoridade legal do bispo, ligado às cidades em crescimento, é expressa pela imagem do julgamento. Dessa forma, o portal principal da Notre-Dame, construído entre 1220 e 1230, apresenta a imagem do Juízo Final segundo o Evangelho de São Mateus.

Na arquitrave inferior do lintel está representada a ressurreição dos mortos que se apresentam para o julgamento.

Na arquitrave superior o Arcanjo Miguel, com uma balança, pesa as almas e, de acordo com a forma como viveram na terra e a fé e o amor que tiveram por Cristo, as envia para a salvação ou para a danação. Ao seu lado encontram-se um diabo carcamano*, um diabinho que emerge do solo e puxa por uma das pernas a alma que está num dos pratos da balança e dois diabos conduzindo as almas danadas para o inferno. Um deles vai à frente do grupo puxando a corrente que envolve essas almas e o outro sorri enquanto as empurra por trás. Alguns desses condenados apresentam-se com coroas ou acessórios que os identificam como membros da Igreja e todos eles transmitem uma ideia de tristeza e sofrimento.

Do outro lado estão as almas salvas, algumas delas erguendo o rosto na direção de Cristo e todas portando coroas, o que pode ser interpretado como uma alusão à santidade da monarquia francesa.

O tímpano apresenta Jesus como o juiz supremo, sentado em seu trono e exibindo as chagas nas palmas de suas mãos.

Em cada um de seus lados posta-se um anjo conduzindo os instrumentos de seu sacrifício: o que está à sua direita traz a lança e os cravos com os quais foi preso na cruz, que é carregada agora pelo anjo da esquerda. Maria e João Batista, que estiveram com Ele no momento de sua paixão, ainda o acompanham, ambos ajoelhados atrás dos anjos.

Coroando cena, as arquivoltas apresentam a corte celestial: anjos, patriarcas, profetas, doutores da Igreja, mártires e virgens. Porém, se em sua parte mais alta a arquivolta é semelhante a dos outros dois portais - em que pese a diferença dos anjos debruçados sobre o Cristo como espectadores no camarote de um teatro - no trecho mais próximo ao lintel há um sem número de detalhes interessantes.


Do lado esquerdo, onde estão as almas salvas, as figuras apresentam-se serenas e contentes, e arrematando o acabamento externo das arquivoltas, há um homem entre sentado e agachado, voltado para o exterior da igreja.



Do lado direito, onde estão as almas condenadas, as imagens representam os diabos impondo dor e sofrimento, e no acabamento desse lado está um macaco, indicando a porção bestial presente no ser humano.









Essas figuras são tão grotescas e ao mesmo tempo interessantes, que ficamos um tempão observando e tentando entender o que representavam. Algumas eram relativamente claras, como a dos condenados sendo lançados num caldeirão...












... as de diabos torturando as almas danadas...




... ou outra figura demoníaca - só que agora com seios, já que a responsável pela queda do homem foi uma mulher - causando sofrimento e dor a uma figura com a mitra de um bispo e outra coroada.








Porém, havia duas imagens que não conseguimos decifrar, de figuras humanas sobre cavalos. Numa delas há uma mulher vendada conduzindo o cavalo e levando um homem na garupa, mas ele é mostrado caindo da montaria ao mesmo tempo em que as vísceras ou fezes da cavaleira são lançadas sobre seu corpo...




A outra representava um homem nu, montado e acertando com um machado a cabeça de sua montaria.










* Parece que a origem do termo "carcamano", que designava os imigrantes italianos que haviam saído das fazendas de café e se estabelecido em São Paulo no início do século XX, está ligada à pesagem de produtos para serem vendidos. Quando o filho do italiano, dono do armazém, ia pesar o produto solicitado pelo cliente, o pai orientava em sua própria língua: "carca a mano", ou seja, era para o rapaz colocar a mão junto com o produto para que a balança acusasse um peso maior e o freguês pagasse por uma quantidade além da que efetivamente iria levar. Como o nosso diabo está fazendo a mesma coisa, com um jeito de quem não quer nada pra não chamar a atenção do arcanjo Miguel, o nome caiu bem.