quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Portal do Juízo Final - Jesus mestre

Descendo o olhar daqueles múltiplos relevos tão vivos nas arquivoltas, ficamos frente a frente com uma estátua de Cristo no pilar central e a porta propriamente dita - no caso dos outros elas não eram visíveis porque estavam totalmente abertas, uma para a entrada e outra para a saída dos visitantes. Ela é toda decorada com elementos que lembram galhos de árvores e folhas que se entrelaçam.







Nessa estátua Jesus é representado como o mestre, aquele que ensina, portando um livro numa das mãos e postado sobre um pedestal esculpido com os símbolos das artes liberais.








À esquerda do pilar central estão seis dos apóstolos: Bartolomeu, Simão, Tiago Menor, André, João e Pedro. O fato de Bartolomeu estar sem as mãos parece ser casual, não tem ligação com sua vida, pois segundo a tradição, ele morreu esfolado e decapitado. Simão não teve melhor sorte: foi cortado ao meio vivo por um serrote. Quanto a Tiago Menor, apesar da parte boa (foi o primeiro bispo de Jerusalém), por recusar-se a denunciar outros cristãos durante uma das constantes perseguições ocorridas na Palestina, foi atirado do pináculo do Templo de Salomão. André era irmão de Pedro, e Cristo, ao chamá-los para serem Seus discípulos, disse que faria de ambos "pescadores de homens". O martírio de André foi a crucificação, mas como não se julgava digno de ser martirizado da mesma forma que seu Mestre, pediu para que o sacrifício fosse feito numa cruz em forma de "x", que ainda hoje é chamada de "Cruz de Santo André". João era o discípulo mais novo, tinha vinte e poucos anos quando se juntou ao grupo dos apóstolos. Foi chamado por Cristo de "discípulo amado" (por isso aquela explicação meio sem noção do Código da Vinci dizendo que a imagem próxima a Jesus na Santa Ceia não é de um discípulo e sim de Maria Madalena), tendo acompanhado seu Mestre quando Ele foi preso e permanecendo até sua morte na cruz, recebendo a missão de cuidar de Maria. Segundo a visão protestante, Jesus não foi o único filho de Maria, porém era o mais velho, e por isso teria a responsabilidade de cuidar da mãe após a morte de José, fardo que passa para aquele entre seus discípulos de quem era mais próximo. Ele é também um dos evangelistas e considerado o maior teólogo entre eles, por isso é representado pela águia, que voa alto e faz seu ninho nos picos mais elevados. Talvez por ser tão amado por Cristo, foi um dos poucos que teve morte natural ou então, conforme algumas interpretações dos textos bíblicos, nunca passou pela morte. Quanto a Pedro, que se chamava Simão, é o mais humano deles no sentido da dúvida, do medo, e por fim da aceitação de ser o representante da fé cristã e fundador da Igreja de Roma, tendo sido seu primeiro bispo (por isso o catolicismo é "apostólico" e "romano"). Recebeu de Cristo o nome de Pedro, significando pedra, ou rocha. Condenado a ser crucificado, como seu irmão não se considerava digno de sofrer da mesma forma que Jesus, e por isso foi colocado na cruz de cabeça para baixo.


Do lado direito estão outros seis apóstolos: Paulo, Tiago Maior, Tomé, Filipe, Judas e Mateus. Paulo, que se chamava Saulo, era cidadão romano e perseguidor de cristãos. Converteu-se quando, no caminho de Damasco, foi cegado por uma forte luz que o fez cair do cavalo e ouviu uma voz que questionava: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" Foi o discípulo mais culto e o principal responsável pela difusão do cristianismo entre a população não judaica, inclusive porque seu conhecimento da filosofia grega criou condições para fazer a "ponte" entre diferentes formas de pensamento. Condenado à morte por Nero, escapou de ser crucificado por ser cidadão romano, tendo sido decapitado. Tiago Maior é o Santiago de Compostela. Foi o primeiro dos apóstolos a morrer, decapitado, e sua morte é a única, entre as dos apóstolos, que está narrada na Bíblia. Tomé é o que não acredita que Jesus ressucitou e pede para tocar suas chagas para ter certeza de que ele é mesmo o Cristo. Encontra a morte na Índia, para onde se dirigira para pregar a religião cristã, atingido pelas lanças de quatro soldados. Filipe era um homem casado e tinha duas filhas, mas nem por isso deixou de seguir Jesus. Consta, inclusive, que chegou a realizar milagres e foi martirizado com a crucificação e o apedrejamento. Judas é o apóstolo traidor, que entrega Cristo aos romanos por 30 dinheiros. O motivo dele ter feito isso é interpretado de forma diferente pelos evangelistas: para Mateus e Marcos, a razão foi a sua avareza; para Lucas e João, foi a influência do próprio Satanás. Atualmente há uma corrente que especula se não teria sido ele o apóstolo mais injustiçado, pois teria traído Jesus para que o sacrifício d'Ele pudesse ocorrer e assim o pecado do homem ser redimido. (Se for assim, ele é o antepassado direto do professor Snape...) Seja por culpa ou para cumprir seu papel até o fim, as escrituras assinalam que ele se suicidou após o martírio de seu Mestre na cruz. Mateus era publicano (cobrador de impostos) e tornou-se discípulo de Cristo quando recebeu a ordem "Segue-me". É um dos evangelistas, representado pelo homem, pois inicia seus textos com a genealogia de Jesus, mostrando sua origem e descendência humanas.


É curioso notar que ao colocar Paulo entre os apóstolos, um dos doze que efetivamente conviveu com Cristo ficou de fora: Judas Tadeu.

Aos pés dos doze apóstolos há medalhões representando as virtudes cristãs e os vícios correspondentes. Por exemplo, entre as virtudes estão a coragem, a temperança e a modéstia. Correspondendo a cada uma delas há os vícios por excesso e por falta da virtude. No caso da coragem, o vício tanto pode ser a covardia quanto a temeridade; em relação à temperança, temos a insensibilidade ou a libertinagem; e para a modéstia, há a timidez ou a falta de vergonha.


Porém, mesmo no portal do Juízo Final, a esperança é a última que morre: nas duas laterais da porta há imagens de virgens. As da nossa esquerda (à direita de Cristo, do lado onde estão as almas que vão para o céu, lá no lintel) carregam uma lamparina acesa, demonstrando a luz no fim do túnel. Já as do outro lado são as virgens "loucas", ou tolas, e as lamparinas delas há muito que se apagaram...

A essa altura, achávamos que tínhamos visto tudo o que havia para ver, mas foi aí que o Ivan propôs um quizz: encontre os evangelistas! Olha daqui, procura de lá, e não é que encontramos os símbolos dos quatro? Estavam junto aos pés dos apóstolos, cada uma numa ponta - interna ou externa: estatuetas muito graciosas com o homem, o boi, a águia e o leão, todas em tamanho pequeno e com aparência de bicho de pelúcia.























Apesar da beleza do que estávamos vendo, chegamos à conclusão de que já estava na hora de sairmos dali e procurar um lugar pra almoçar, mesmo porque os ingressos para a programação da tarde já estavam comprados e não podíamos perder tempo.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Portal do Juízo Final - o julgamento

As igrejas românicas, cujo estilo é anterior ao gótico, são de um período em que o poder da Igreja repousava nas mãos dos monges e abades, iniciadores dos fieis no mistério da fé. Esse domínio se expressa inclusive na iconografia, o que faz com que as figuras centrais dos portais das igrejas desse estilo representem o Cristo em ascensão. Já no período em que o gótico predomina, a autoridade legal do bispo, ligado às cidades em crescimento, é expressa pela imagem do julgamento. Dessa forma, o portal principal da Notre-Dame, construído entre 1220 e 1230, apresenta a imagem do Juízo Final segundo o Evangelho de São Mateus.

Na arquitrave inferior do lintel está representada a ressurreição dos mortos que se apresentam para o julgamento.

Na arquitrave superior o Arcanjo Miguel, com uma balança, pesa as almas e, de acordo com a forma como viveram na terra e a fé e o amor que tiveram por Cristo, as envia para a salvação ou para a danação. Ao seu lado encontram-se um diabo carcamano*, um diabinho que emerge do solo e puxa por uma das pernas a alma que está num dos pratos da balança e dois diabos conduzindo as almas danadas para o inferno. Um deles vai à frente do grupo puxando a corrente que envolve essas almas e o outro sorri enquanto as empurra por trás. Alguns desses condenados apresentam-se com coroas ou acessórios que os identificam como membros da Igreja e todos eles transmitem uma ideia de tristeza e sofrimento.

Do outro lado estão as almas salvas, algumas delas erguendo o rosto na direção de Cristo e todas portando coroas, o que pode ser interpretado como uma alusão à santidade da monarquia francesa.

O tímpano apresenta Jesus como o juiz supremo, sentado em seu trono e exibindo as chagas nas palmas de suas mãos.

Em cada um de seus lados posta-se um anjo conduzindo os instrumentos de seu sacrifício: o que está à sua direita traz a lança e os cravos com os quais foi preso na cruz, que é carregada agora pelo anjo da esquerda. Maria e João Batista, que estiveram com Ele no momento de sua paixão, ainda o acompanham, ambos ajoelhados atrás dos anjos.

Coroando cena, as arquivoltas apresentam a corte celestial: anjos, patriarcas, profetas, doutores da Igreja, mártires e virgens. Porém, se em sua parte mais alta a arquivolta é semelhante a dos outros dois portais - em que pese a diferença dos anjos debruçados sobre o Cristo como espectadores no camarote de um teatro - no trecho mais próximo ao lintel há um sem número de detalhes interessantes.


Do lado esquerdo, onde estão as almas salvas, as figuras apresentam-se serenas e contentes, e arrematando o acabamento externo das arquivoltas, há um homem entre sentado e agachado, voltado para o exterior da igreja.



Do lado direito, onde estão as almas condenadas, as imagens representam os diabos impondo dor e sofrimento, e no acabamento desse lado está um macaco, indicando a porção bestial presente no ser humano.









Essas figuras são tão grotescas e ao mesmo tempo interessantes, que ficamos um tempão observando e tentando entender o que representavam. Algumas eram relativamente claras, como a dos condenados sendo lançados num caldeirão...












... as de diabos torturando as almas danadas...




... ou outra figura demoníaca - só que agora com seios, já que a responsável pela queda do homem foi uma mulher - causando sofrimento e dor a uma figura com a mitra de um bispo e outra coroada.








Porém, havia duas imagens que não conseguimos decifrar, de figuras humanas sobre cavalos. Numa delas há uma mulher vendada conduzindo o cavalo e levando um homem na garupa, mas ele é mostrado caindo da montaria ao mesmo tempo em que as vísceras ou fezes da cavaleira são lançadas sobre seu corpo...




A outra representava um homem nu, montado e acertando com um machado a cabeça de sua montaria.










* Parece que a origem do termo "carcamano", que designava os imigrantes italianos que haviam saído das fazendas de café e se estabelecido em São Paulo no início do século XX, está ligada à pesagem de produtos para serem vendidos. Quando o filho do italiano, dono do armazém, ia pesar o produto solicitado pelo cliente, o pai orientava em sua própria língua: "carca a mano", ou seja, era para o rapaz colocar a mão junto com o produto para que a balança acusasse um peso maior e o freguês pagasse por uma quantidade além da que efetivamente iria levar. Como o nosso diabo está fazendo a mesma coisa, com um jeito de quem não quer nada pra não chamar a atenção do arcanjo Miguel, o nome caiu bem.

domingo, 8 de agosto de 2010

Portal da Virgem

O portal da esquerda, que homenageia a Virgem Maria, em honra de quem foi construída a catedral, foi criado no início do século XIII especificamente para esse local. O volume corporal acentuado e a representação realista das figuras humanas já são características do estilo gótico, que predomina na catedral.

Como ele foi construído de uma vez só, ao contrário do portal de Sant'Anna, que foi montado com partes criadas separadamente, existe uma sequência narrativa que vai do lintel inferior até o tímpano.

No friso inferior há no centro um baldaquino que representa, simbolicamente, a Anunciação. Em seu lado esquerdo encontram-se três profetas e no direito, três reis do Antigo Testamento. Todos eles estão portando uma filacteria - pergaminho sagrado - mostrando que a promessa de Deus foi cumprida, pois enviou seu próprio filho para salvar a humanidade.

O friso superior mostra Maria em seu leito de morte, cercada pelos doze apóstolos e com seu filho entre eles. A mão de Jesus toca o corpo da mãe, indicando a futura ressurreição. Dois anjos a sustém, pela cabeça e pelos pés, preparando-se para elevá-la aos céus.

O tímpano, parte principal do portal, mostra a coroação de Maria como Rainha dos Céus.


Ela se encontra sentada no mesmo trono que Jesus, que a benze e entrega a ela seu próprio cetro, enquanto um anjo pousa a coroa em sua cabeça. Outros dois anjos compõem a cena, ajoelhados e trazendo candelabros em suas mãos.






Assistindo à cerimônia está a corte celestial, representada por anjos, patriarcas, reis e profetas distribuídos nas quatro arquivoltas que emolduram a cena.









No pilar central da entrada vemos a Virgem com o menino.









Na lateral esquerda da entrada desse portal há quatro estátuas, a primeira delas representando o imperador romano Constantino, responsável pela legalização do cristianismo. Há também dois anjos ladeando a imagem de Saint Denis, que segura a própria cabeça. Enviado com outros religiosos para pregar aos pagãos no século III, tornou-se bispo de Paris e foi martirizado numa das perseguições aos cristãos ordenadas pelo imperador romano da época. Decapitado, diz a lenda que seu corpo andou até onde estava sua cabeça tomando-a nos braços, e caminhando dessa forma, guiado por um anjo, chegou até o local onde seria fundada sua futura abadia.


Na lateral direita, outro grupo de quatro estátuas: São João Batista, identificado pelo Cordeiro de Deus, São Estêvão, Santa Genoveva, padroeira de Paris, e São Silvestre, que foi papa durante o período em que Constantino era o imperador de Roma. Considera-se que sua ifluência tenha sido fundamental na criação do Edito de Milão, autorizando a existência da religião cristã.








Ao lado das estátuas, no batente de entrada para a catedral, relevos descrevem o ciclo da vida. Os doze signos do zodíaco simbolizam os meses do ano e, ao lado de cada um, há uma figura que representa o trabalho executado de acordo com o mês.







No pilar central, outros relevos retratam as estações do ano a partir das características apresentadas por uma árvore em cada uma delas. Do outro lado, são apresentadas as idades do homem, da infância à velhice. (Na fotografia que tiramos aparecem apenas a juventude, a maturidade e a velhice.)

sábado, 7 de agosto de 2010

Portal de Sant'Ana

Dos três portais da fachada da Notre-Dame, o da direita é o mais antigo, tendo sido inserido na construção provavelmente por volta do ano 1200.


Trata-se do portal de Sant'Ana, mãe de Maria e avó do menino Jesus. Ao que tudo indica, seu tímpano (a parte triangular mais alta, onde ficam as imagens mais importantes) foi esculpido cinquenta anos antes da instalação e seu destino original não era a Notre-Dame, e sim a igreja de São Estêvão. A rigidez do vestuário dos personagens, bem como o pouco volume dado a eles e a postura frontal, caracterizam esse tímpano como tendo ainda características do estilo românico, diferentemente da catedral como um todo, que é uma das pérolas do estilo gótico.


Nele se pode ver a virgem Maria no ponto central, sentada sobre um trono e sob um dossel, coroada e portando um cetro. Jesus, sentado em seu colo, traz sobre os joelhos o Livro (as Sagradas Escrituras) e abençoa todos nós, encorajando os visitantes a entrar na igreja.

Há um anjo de cada lado do trono, e atrás de cada um deles, outros dois personagens: à esquerda um bispo, que alguns estudiosos identificam como sendo Saint German, bispo de Paris em meados do século VI e profundamente devotado à Virgem. Outros consideram que se trata de Maurice de Sully, tornado bispo da cidade em 1160 e responsável pela construção da catedral.

Diga-se de passagem que o local em que fica a Notre-Dame possui um histórico como sede de cultos religiosos. Os celtas já celebravam ali seus rituais e, posteriormente, os romanos construíram no mesmo sítio um templo dedicado a Júpiter. A basílica de Saint Etienne (Santo Estêvão), primeira igreja cristã de Paris, foi erigida nesse local no início do século VI, sendo depois derrubada e substituída por uma construção românica que durou até o início da construção da atual catedral.

Voltando ao tímpano, atrás do anjo da direita encontra-se um rei que também gera dúvidas quanto à sua identificação: alguns consideram que se trata de Childebert I, monarca que nomeou Saint Germain como bispo após ser por ele curado de doenças, vícios e da injustiça contra os pobres, sendo convertido ao cristianismo. Outros afirmam tratar-se de Luís VII, rei francês no período da construção da Notre-Dame.

Abaixo do tímpano há dois linteis - ou arquitraves - com frisos. O superior apresenta cenas da vida de Maria e da chegada de Cristo à terra, desde a Anunciação até a Epifania. O termo refere-se ao momento em que Ele dá-se a conhecer aos homens como filho de Deus, e o mundo cristão celebra com esse nome três eventos: a epifania perante os reis magos do Oriente (que é a que aparece no lintel), aquela à João Batista no Rio Jordão e a que marca o início de sua vida pública, ocorrido com o milagre das bodas de Caná.


No lintel inferior vêem-se cenas da vida de Joaquim e Ana, os pais de Maria. Por ter sido a última parte a ser colocada no portal, acabou por dar nome a ele (mesmo porque não há muita lógica em seu nome, considerando que a maior parte das imagens se refere à padroeira da igreja).




Sobre o tímpano há arquivoltas concêntricas representando a corte celestial: anjos, reis, profetas e os anciãos do Apocalipse exaltando a glória de Deus.











No pilar central da entrada fica a estátua de Saint Marcel, bispo de Paris no século V, representado vencendo um dragão, símbolo dos vícios que assolavam sua diocese.







Na lateral direita da entrada para a igreja há quatro estátuas: de São Paulo, cujo atributo é o livro, já que ele era o apóstolo culto, falava várias línguas e foi o responsável pela divulgação do cristianismo entre os gentios; do rei Davi, com um instrumento musical em suas mãos, representando os salmos que criava e entoava pra a glória de Deus; da rainha de Sabá, representada com um pergaminho nas mãos, indicativo de sabedoria e de um rei sobre quem não há qualquer identificação sobre quem seja.


Na lateral esquerda, outro grupo de quatro estátuas: de mais um rei "genérico"; de Betsabá, uma das esposas de Davi, por quem ele se apaixonou quando ela ainda era casada. Como ele era o rei, ordenou que o marido dela, Urias, durante uma guerra fosse colocado no local onde a batalha era mais violenta. Obviamente o pobre infeliz morreu e a situação dos amantes foi resolvida: ela tornou-se a oitava esposa (e a preferida) dele e o filho dos dois, Salomão, tornou-se herdeiro do pai no trono de Israel. Aliás, é ele quem está representado na terceira estátua, com o livro nas mãos, outro símbolo da sabedoria pela qual era conhecido. E o quarto é o mais fácil de ser identificado: São Pedro, portando as chaves que dão acesso ao paraíso, ou seja, a santa Igreja Católica.



quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O código Notre-Dame

Descemos os 386 degraus - agora tudo de uma vez só, sem paradinhas - e chegamos ao solo por volta do meio-dia. Como a fila estava enorme e já havíamos comprado os ingressos para visitar a Saint Chapelle e a Conciergerie no período da tarde, optamos por apreciar o exterior da catedral e deixar a parte interna para ser vista no dia seguinte.

As estátuas e relevos que adornam a fachada ocidental são, na verdade, narrativas visuais que compõem um código que era bastante conhecido pela população da época. Os personagens eram facilmente identificados em função dos objetos que portavam, dos trajes que usavam ou mesmo das atitudes em que eram retratados. Conseguimos decifrar parte desse código por meio da observação e dos conhecimentos anteriores que tínhamos, mas alguns dados que serão expostos nesse post serão novidade também para quem fez parte do grupo. Mas não tem problema, na nossa próxima passada por Paris a gente vai olhar de novo, agora sabendo interpretar melhor as esculturas.



No centro da fachada o destaque vai para a enorme rosácea de 9,60m de diâmetro que forma uma espécie de halo envolvendo uma estátua da Virgem com o menino entre dois anjos. Se a igreja é dedicada à Nossa Senhora, é dela o destaque principal.




Nas laterais da rosácea há estátuas de Adão (á direita) e Eva (à esquerda), para que os fieis se recordem do pecado original. Abaixo da balaustrada encontra-se a galeria dos reis, um friso composto por 28 estátuas de 3,5m de altura cada. Do chão não se tem ideia de que elas têm todo esse tamanho!

Essas estátuas representam as 28 gerações dos reis de Judá, descendentes de Jessé e ancestrais humanos de Maria e Jesus, e foram acrescentados à construção no início do século XIII. Rapidamente passaram a ser vistas pela população da época como representações dos reis franceses, e essa interpretação perdurou pelos séculos seguintes. Foi por isso que, durante a Revolução Francesa, as estátuas foram atacadas e mutiladas como símbolo do despotismo monárquico. As peças originais, com as marcas da destruição, são as que se encontram no museu de Cluny; essas que hoje decoram a fachada da catedral foram redesenhadas por Viollet-le-Duc.

A fachada da Notre-Dame conta com três portais e quatro estátuas em sua parte inferior.







A estátua da esquerda representa São Estêvão, que foi diácono (auxiliar na assistência aos pobres e no ato de ministrar os sacramentos) dos Apóstolos.










A da direita mostra Saint Denis, o primeiro bispo da cidade e um dos padroeiros de Paris.











As outras duas estátuas, colocadas em ambos os lados do portal central, são alegorias: a da esquerda representa a Sinagoga, que tradicionalmente é mostrada com uma venda ou algo cobrindo seus olhos. Isso porque há uma base comum nas religiões judaica e cristã, aquilo que faz parte do Antigo Testamento da Bíblia. Porém, os judeus não aceitaram Jesus como o filho de Deus, por isso o templo judaico é representado como incapaz de enxergar a verdade.

A coroa, que representava seu poder, está caída a seus pés e o bastão com o estandarte apresenta-se quebrado. Quanto ao que cobre seus olhos... parece a cauda da serpente!


A estátua da direita é a alegoria da Igreja, que é representada com atitude triunfante: tem a coroa na cabeça, segura com firmeza o estandarte intacto e, na outra mão, traz o cálice sagrado.


terça-feira, 3 de agosto de 2010

No alto da Notre-Dame

Da galeria das Quimeras tínhamos ótima vista da cidade, e já estávamos inclusive reconhecendo pontos por onde havíamos passado, como a igreja de Saint Julien le Pauvre...








... a torre de Saint Jacques com Montmartre e a igreja do Sacré-Coeur ao fundo...











... e a torre Eiffel com o domo dos Invalides.








A essa altura já nos sentíamos dominando Paris, pois como a cidade é bastante plana, os monumentos mais importantes servem como marcas conhecidas.

Entre as figuras de pedra que ficam mais afastadas da torre norte, onde estávamos, um pelicano chamava a atenção das pessoas. Ocorre que essa ave é simbolicamente associada à figura de Cristo por se considerar que ela oferece seu corpo para alimentar os filhotes. Isso porque os medievais, que certamente não tinham lunetas (elas vão ser inventadas pelos árabes), ao ver à distância o pelicano com o bico aberto permitindo que os filhotes retirassem a comida que tinha no papo, imaginavam que ele estivesse com o bico para o alto oferecendo seu peito para que os filhotes o dilacerassem no sentido de se alimentar, ou seja, sua carne era o alimento dos pequenos da mesma forma que o pão simboliza o corpo de Cristo oferecido aos fieis.


Olhando para baixo, pudemos ver a fila para entrada na Notre-Dame, agora bem maior do que quando chegamos.


Como imaginávamos que esse seria nosso próximo destino, respiramos fundo e nos preparamos para descer e enfrentar a espera.



Fomos, porém, surpreendidos ao saber que havia ainda um lance de escada que nos levaria ao alto da torre sul. Começamos a subida muito animados, acreditando que o final dos degraus estaria "logo ali", ilusão reforçada pelas janelinhas colocadas a espaços regulares e que, deixando entrar a luz externa, passavam a impressão de que o fim do caminho seria logo depois da curva seguinte.



"Logo ali"? Eram 125 degraus, praticamente um terço do total! Mas com certeza valeu a pena. Primeiro porque já estávamos lá em cima mesmo, não teria sentido desistir e descer. E em segundo lugar, porque a vista era ainda mais bonita.

Uma das coisas que ficou evidente daquela altura, foi o formato cruciforme da catedral, que não se percebe claramente do chão ou mesmo quando se está visitando o seu interior.





A "agulha" que fica na intersecção entre os braços da cruz é outra obra de Viollet-le-Duc e foi criada em substituição à que foi derrubada durante a Revolução Francesa.






Novamente impressiona a delicadeza dos detalhes em seu corpo.





Segundo o folder que é distribuído antes da subida à torre - e que tem versões em francês, inglês, alemão, espanhol, português e uma língua oriental (acho que era japonês, mas vou confirmar com a Natália) - "quatro grupos de três apóstolos, acompanhados por representações alegóricas dos evangelistas, descem de ambas as partes do arco. No seio do grupo do evangelista João, simbolizado por uma águia, São Tomás é representado com os traços de Viollet-le-Duc e volta-se para a agulha como para admirar sua criação."








Algo que nos chamou a atenção foi o conjunto de degraus "tortos" que havia ao lado das pequenas torres que completavam os dois braços menores do transepto. Considerando a altura da coisa, quem teria coragem de subir neles?






Lá de cima conseguimos visualizar os arcobotantes por outro ângulo, notando inclusive a calha que eles têm na parte de cima para a captação da água da chuva que cai da boca das gárgulas, e que termina em pequenas torres de onde saem novas gárgulas.


A parte posterior da catedral é também a porção final da Île de la Cité, onde os dois braços do Sena que formam a ilha voltam a se unir num só curso d'água.




Ao sul o domo do Panthéon domina a paisagem...









... mas a torre Eiffel, o "cartão postal" de Paris, marca sua presença.