terça-feira, 27 de julho de 2010

O Panthéon

Saímos dos jardins de Cluny esfomeados, mas decidimos procurar um lugar pra comer e deixar o piquenique pra de noite. Isso porque, pelo nosso roteiro, iríamos primeiramente ao Panthéon e depois aos jardins de Luxemburgo, onde seria interessante fazer a refeição, só que ninguém ia aguentar ficar sem comer por mais algumas horas. Inverter o programa e ir pro jardim e depois voltar, também não valeria a pena.

Fomos seguindo em direção ao Panthéon observando restaurantes e similares para nos decidir por um deles, quando avistamos um supermercado e resolvemos adquirir os itens para a refeição noturna. Compramos quatro tipos de queijos, vinho tinto e champagne, manteiga (a Rejane comentou que era indispensável pra comer com o Roquefort) e deixamos pra comprar os pães na hora. Como todo mundo diz que na Europa a pessoa tem que pagar se utilizar sacolinha de plástico pra acondicionar as compras no supermercado, Luís e Rejane levavam com eles suas ecobags, e foi nelas que colocamos tudo, nos revezando para carregá-las. Só que todo mundo por lá usa sacola de plástico como aqui, não tem nada desse negócio de pagar qualquer taxa adicional.

Circulando mais um pouco pelo bairro, passamos por vários prédios da Sorbonne, entre eles o da Universidade René Descartes, a Universidade de Paris IV. A primeira de suas unidades foi criada no final do século XI e foi uma das primeiras da Europa - e do mundo.


Passamos por uma rua estreitinha onde havia dois ou três restaurantes, mas a maioria, nesse horário, servindo mais sanduíche e coisas do gênero, e a fresca aqui achou que valia a pena procurar algo melhor. A essa altura, além da fome estávamos com calor, porque o sol estava forte, e ainda carregando as compras, o que não contribuía pra aumentar o bom humor de ninguém, então, antes que eu apanhasse (merecidamente, diga-se de passagem), optamos por um lugar bonitinho com mesas no segundo andar.

Lá em cima era meio abafado, por causa do teto baixo, mas a garçonete era uma simpatia e uma cerveja ou vinho gelado já resolveu metade dos nossos problemas. Os restantes se acabaram diante dos pratos, todos muito bons. O Ivan e a Natália comeram brochettes de boeuf, ou cubinhos de carne de boi no espeto, com mostarda de Dijon e eu pedi uma massa à provençal. Com isso confirmei minhas suspeitas: aqui no Brasil, quando se pede algo à provençal a comida vem com grande quantidade de alho (adoro!), mas na França o que caracteriza esse estilo de prato é a variedade de legumes.

Refeitos e bem alimentados, pegamos as sacolas e continuamos caminhando em direção ao Panthéon. No caminho paramos numa farmácia pra Rejane comprar um par de óculos, já que os que ela levou haviam sofrido um acidente: no primeiro dia, quando caminhamos em direção à Île Saint Louis, paramos num cruzamento próximo à place de la Bastille. Como a praça é redonda e dela saem inúmeras ruas, é complicado de atravessar, é preciso prestar a máxima atenção ao semáforo e aos carros que não os respeitam. O sinal ainda não havia aberto pra nós, mas os parisienses, ao verem que o fluxo de um dos lados da praça havia parado, aproveitaram pra atravessar antes que os carros do outro lado viessem. A Rejane foi no embalo e precisou dar uma corridinha pra chegar ao outro lado da rua, que era larga. Nós ficamos na calçada aguardando e assistindo ao desastre: os óculos dela, que estavam dobrados e colocados na gola da camiseta, caíram quando ela correu. A Rejane nem percebeu, mas nós ficamos na maior expectativa, vendo o primeiro carro (que passou com as rodas ao lado dos óculos), o segundo (que passou com o pneu bem por cima deles), o terceiro (que também acertou em cheio)...


Quando o sinal abriu pra nós, a Natália, louca da vida, recolheu os óculos da mãe e ainda foi dar a maior bronca nela. A sorte é que nos informamos e soubemos que as farmácias vendem óculos por preços acessíveis, e nesse dia, na própria rue de la Sorbonne, encontramos uma delas e tudo ficou resolvido.









Continuamos a caminhada e chegamos ao nosso destino. O Panthéon, edificado em forma de cruz grega, foi projetado para ser uma igreja, mas com a Revolução Francesa (sempre ela!), tornou-se o mausoléu dos intelectuais franceses e uma espécie de templo ao pensamento racional iluminista.

O local é perfeito para a exaltação do racionalismo, pois sua arquitetura de linhas neoclássicas remete ao pensamento investigativo e analítico dos filósofos e sábios gregos e romanos e dos intelectuais do Renascimento. O curioso é que os iluministas, tão avessos à religião e adoração de santos e figuras sagradas, criaram um templo que pode ser considerado também uma igreja, com a homenagem e reverência que é conferida aos intelectuais revolucionários.

Em seu monumental interior, vêem-se estátuas representando passagens da Revolução Francesa, como uma enorme alegoria da Convenção Nacional, o período em que os revolucionários mais radicais, menos preocupados em defender os interesses burgueses, estiveram no poder. Situada numa espécie de altar, presta-se à adoração da mesma forma que as imagens sacras nas igrejas cristãs, tão combatidas pelo racionalismo iluminista.

Em seu subsolo há uma cripta com os mausoléus de Voltaire, Rousseau, Descartes, Marie e Pierre Curie, Alexandre Dumas, Victor Hugo e Émile Zola, entre outros. Porém, curiosamente, não há emoção ao vê-las, pois é tudo tão geométrico, exato, asséptico, que nem parece que naquele local repousam homens e mulheres que se dedicaram com toda a sua alma aos estudos, à pesquisa, à revolução ou à literatura.

Um comentário:

  1. Passar calor lá na europa é dureeeeeza... mas nada se compara ao calor úmido e abafado de São Paulo!!

    Tadinha da Rejane que perdeu os óculos e ainda levou bronca.

    Quanto ao comentário dos iluministas: acho que tem uma boooa distancia entre idolatrar santos e homenagear intelectuais. Achei bacana a cripta dos pensadores ao contrário da Iarinha que não é lá muito fã de coisas simétricas.

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