sexta-feira, 30 de julho de 2010

Piquenique no quarto do hotel

Saímos do trem da RER na estação seguinte e notamos que havia mais uma coisa vazando na sacola: agora era o queijo roquefort. Ele estava acondicionado numa bandejinha de isopor e embalado com papel filme, só que como o queijo "suou", molhou o papel filme e as superfícies dele que estavam grudadas, desgrudaram. A sorte é que como a manteiga tinha sido comprada pra passar no pão que comeríamos com o roquefort, lá foi ele pra mesma sacolinha plástica.

Seguimos na direção indicada pelas placas para o acesso à linha 1 do metrô e de repente nos vimos frente a uma linha de catracas. Aí começaram as dúvidas: já que utilizamos o bilhete na entrada da estação da RER, a catraca interna seria liberada? Tentamos e descobrimos que não, ela travava. Outra possibilidade: o bilhete que utilizamos pra entrar na estação da RER poderia ser utilizado novamente? Achamos que sim, porque já tínhamos estranhado o fato do bilhete voltar pra nossa mão depois que a gente o inseria pra liberar a catraca; se ele pudesse ser utilizado em uma das que ligam uma linha a outra, então a coisa faria sentido.

Estávamos com um monte de passes de metrô usados, já que, ao contrário dos parisienses, não os jogávamos no chão da estação ou nas áreas externas próximas a elas, e fizemos a tentativa. Também não deu certo. Só que pelo fato de termos vários passes usados, não sabíamos mais quais deles tinham sido usados naquele dia e na estação anterior e quais os dos dias anteriores. A Rejane então pegou outro passe usado e arriscou. A catraca foi liberada e a porta que fica ao final da catraca se abriu. A Rejane passou e voltou-se pra nós, tentando nos passar o bilhete que ela havia usado, ao que parecia. Só que nenhum de nós entendeu o que ela queria, e aí a porta se fechou sobre ela.

Posteriormente os boatos foram de que ela segurou a porta do metrô de Paris com os peitos, mas isso não passa da mais deslavada mentira! A verdade é que as duas folhas da porta se fecharam em seus braços e esses, por sua vez, por uma reação natural da pessoa, comprimiram os peitos. Para se livrar do aperto a Rejane forçou a porta de volta pra fora, e aí ela se abriu e continuou aberta. Como nós estávamos indo em direção a ela para livrá-la do "aperto", aproveitamos a porta aberta e a catraca liberada: eu passei primeiro e aí ficamos as duas chamando os outros que estavam meio sem saber o que fazer. No final, "vazamos" todos os cinco com o único bilhete que ela havia colocado.

Continuamos nosso caminho, agora morrendo de rir, e percebemos que para chegarmos até a plataforma da linha 1 teríamos um longo caminho pela frente, pois, no caso de algumas conexões, o que fazemos é caminhar por baixo da terra de uma estação à outra. Quando isso ocorre, na parte plana do caminho há esteiras rolantes, como as dos aeroportos, que costumam ter no mínimo 50m.

Lá também há a recomendação pra que quem não está com pressa fique do lado direito, só que os franceses passam voando pela esquerda, é muito mais rápido do que acontece nas escadas rolantes do nosso metrô em São Paulo. Como não era o nosso caso, nós geralmente íamos caminhando mais devagar pela direita mesmo e, eventualmente, ultrapassávamos alguém que tinha ainda menos pressa que nós e que estava simplesmente deixando a esteira fazer o seu serviço.

Nesse dia fomos no nosso ritmo até ficarmos atrás de uma moça muçulmana que estava com um bebê num carrinho. Detalhe: as muçulmanas em Paris usam roupas normais, como calças jeans, blusas justas, tênis... O que as identifica é apenas o lenço cobrindo os cabelos. Continuando, como o carrinho era "veículo longo", não ia dar pra eu ultrapassá-la, porque os franceses vinham vindo pela esquerda em linha quase contínua, portanto me coloquei uns dois ou três passos atrás dela e na sequência pararam também a Rejane, o Ivan, a Natália e o Luís.

Quando chegamos ao fim da esteira, não sei se a moça se distraiu por estar conversando com uma amiga que estava na frente do carrinho ou se era falta de prática de andar por lá mesmo, mas o fato é que ela não levantou as rodinhas dianteiras do carrinho de bebê, e aí ele fez-que-foi-e-não-foi. Conclusão: o carrinho voltou, ela trombou com o carrinho, eu trombei nela, a Rejane trombou em mim... o maior engavetamento humano na saída da esteira do metrô, porque a esteira continuava rolando.

O Ivan foi dando pulos pra trás, quando viu o tamanho da encrenca, da mesma forma que a Natália, e o Luís não quis nem saber se vinha gente pela esquerda e já "mudou de faixa". Parecia cena de filme pastelão!

Conseguimos nos livrar do amontoado antes que mais gente nos atropelasse e continuamos nosso caminho em direção à linha 1, rindo ainda mais. Num determinado momento as indicações para essa linha se dividem, porque há duas plataformas, cada uma com trens seguindo numa direção, já que não estávamos em nenhuma das duas "pontas" da linha. Quando surgiram duas indicações pra linha 1, o Ivan não teve dúvidas e virou à direita numa escada que indicava "La Défense". Só que nosso rumo era pro outro lado, e começamos a chamá-lo de volta, com grande dificuldade por estarmos todos rindo ao mesmo tempo. Claro que essa escada para onde o Ivan foi tinha que ser uma das poucas rolantes, e lá foi ele descendo pela escada que só subia, e tendo que se esforçar porque a velocidade delas (talvez pra combinar com o ritmo francês) é bem maior que as do nosso metrô paulista.

Quando entramos no trem não conseguíamos mais nem respirar de tanto dar risada, foi muito mico pra um dia só! E o Luís ainda comentava que, se houvesse câmaras nas estações (nós não reparamos, mas nos baseamos no que ocorre em São Paulo), ou daqui a pouco o trem iria parar e os seguranças nos tirariam de lá por termos passado sem bilhetes na catraca ou então estariam rindo ainda mais do que nós por ter visto esse bando de caipiras se atrapalhando no metrô.

Conseguimos chegar sem mais nenhuma trapalhada à "nossa" estação um pouco antes das nove da noite. Ao sairmos pra rua, olhamos esperançosos para a esquina em frente, onde ficava a brasserie em que Luís, Rejane e Natália haviam comido a quiche no dia em que chegamos, e que também vendia pães - o que faltava para completar nossa refeição. Só que o sinal estava fechado pra nós, e antes que ele abrisse, vimos um dos funcionários fechando a porta do estabelecimento. Atravessamos assim mesmo, olhamos pelas vitrines, mas não teve jeito, não é como no Brasil que se dá um jeitinho pra atender os clientes.

Decidimos então nos separar em dois grupos: Rejane e Luís iriam direto pro hotel pedir ao recepcionista o favor de guardar os vinhos e os queijos na geladeira deles (claro que com um quarto daquele tamanho não havia frigobar) até a hora em que fôssemos comer, e Ivan, Natália e eu seguimos a rua em busca de pão.

Havia muitos restaurantes e bistrôs abertos, mas não dava pra entrar e pedir que eles nos vendessem os pães que compraram pra servir para os clientes. Porém, nem tudo estava perdido: seguindo a rue Saint Antoine para o lado em que ainda não tínhamos ido, vimos um 8 à huit, supermercado pequeno do grupo Carrefour. Entramos ventando, antes que eles fechassem a porta na nossa cara, afinal eram quase nove da noite e o nome do estabelecimento deixava claro que eles funcionavam das 8 à 8. Claro que não encontramos pão fresco, apesar do sonho em comer aqueles queijos e patês todos com baguettes, mas havia croissants (embalados como nossas bisnaguinhas Panco) e... pão integral! Nada a ver comer queijos fortes e ricos em gordura com esse tipo de pão, mas fazer o quê? Ao menos havia de vários tipos, pudemos escolher.

Voltamos ao hotel e ficamos sabendo que o recepcionista daquela noite não era o Zehir, que falava inglês e entendia alguma coisa de português, nem a mocinha magrinha que também era boa em inglês, mas um que só falava francês. Não sei como a Rejane e o Luís fizeram, mas ele teve a maior boa vontade em colocar os queijos e os vinhos na geladeira enquanto íamos tomar banho. Não deu coragem de pedir pra eles colocarem também a manteiga, ela estava num estado lastimável, mas a Rejane teve uma boa ideia: na hora em que fôssemos buscar tudo, pediríamos um balde com gelo pra deixar os vinhos, e aí colocaríamos a manteiga no meio do gelo por alguns minutos pra ela ficar numa consistência razoável.

Ficamos sabendo também que a Anne havia ligado e deixado recado, mas nessa noite não iríamos sair mesmo, então tentei apenas avisá-la disso, mas novamente não foi possível. Combinamos de nos encontrar no quarto do Luís em mais ou menos uma hora, já que era o único com mesinha e cadeiras. Mesmo assim Rejane e eu levamos cada uma uma cadeira de seu próprio quarto. Elas eram bem leves, de plástico, então não houve problema.

Depois de um belo banho, fomos todos pro "sótão" do Luís começar a comilança.

O único problema é que quando fomos pegar os vinhos e os queijos, o recepcionista disse que não tinham balde pra colocar o gelo, portanto a manteiga foi utilizada do jeito que estava. Considerando que à noite era mais fresquinha do que aquele calorão da tarde, até que não foi assim tão ruim...

Além de rirmos muito relembrando os micos do dia, comentamos outra coisa que observamos e que vai de encontro ao que muita gente falava sobre a França: vimos muitas crianças e poucos cachorros em Paris. Talvez a campanha do Estado incentivando a natalidade tenha dado resultado, porque em nossas andanças pelo Quartier Latin e nossa estada nos Jardins de Luxemburgo, cruzamos com muitas famílias com crianças pequenas, desde bebês até crianças de 6 ou 8 anos. E até onde pudemos observar, eram francesas, não imigrantes de países mais pobres. Pode até ser que a maioria seja do interior e não de Paris, porque julho é mês de férias escolares e muita gente vem de outras cidades da França conhecer a capital, mas a impressão que dá é que alguma coisa mudou.

7 comentários:

  1. Vamos por partes:

    Parte I

    Como assim? Boatos? Mentiras?

    Nã-Nã-Ni-Nã-Não!

    Eu e todos os demais usuários do metrô, presentes naquela catraca (parisienses ou não), somos testemunhas oculares do poder dos peitos dessa mulher! É de dar inveja ao próprio Super-Homem!!! Está comprovado, de forma científica e totalmente irrefutável, que a Rejane, sim, é quem possui os legítimos e indestrutíveis "peitos de aço"! Gente, essa mulher conseguiu impedir o fechamento das duas folhas de aço somente com os peitos! Pode isso??? Cara, muito insano! Aliás, até hoje, não sei direito se fiquei espantado ou assombrado com o inusitado de toda aquela situação, mas que foi com os peitos... ah!... isso foi!

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  2. Parte II

    Mea Culpa: Quero deixar aqui registrado que em momento algum de minha vida eu havia varado uma estação ou qualquer catraca que seja. E logo em Paris isso ocorreu? Pois é. Lamentável! Sei disso, mas é que a visão daquela cena singular fez com que eu ficasse fora de mim por um brevíssimo instante. Foi um ato totalmente impensado... ou insano mesmo, sei lá! Mas que foi divertido... foi sim! Um "Viva!!!" aos peitos da Rejane: Viva!!!

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  3. Parte III

    Em relação ao “maior engavetamento humano na saída da esteira do metrô, com direito àquele carrinho (enroscado) de bebê e àquela esteira que continuava a rolar a toda velocidade com franceses alucinados/turbinados à esquerda”, uma pequenina correção: eu não cheguei a “mudar de faixa”... porque não sou besta (Insano sim! Hehehe).

    Foi assim:

    No exato instante em que vi o pastelão, ops!, quero dizer, o Ivan e a Natália vindo para trás... em minha direção!!!!... e em que vi aquilo que parecia ser uma “montoeira” de gente, logo à frente, eu não tive dúvida: fiz uso do meu intensivo treinamento noturno de saltos na cama do hotel e fui, de forma exímia, pinguepongueando para trás. Bem... como todo bom sagitariano, contei com a sorte, ou melhor, com a bênção dos deuses do universo em não ter ninguém atrás de mim! Pois é! Apesar de toda a minha modéstia, não há como deixar de pontuar que os meus saltos foram totalmente perfeitos e precisos, aliás, como não poderiam deixar de ser, é claro, sendo eu um legítimo sagitariano abençoado pelos deuses. Ah! Vale lembrar o mais importante: ninguém se machucou e ficamos sabendo que o bebê, apesar do enrosco, passava bem. Que bom!

    No momento, fico só imaginando quantos acidentes/enroscos já devem ter ocorrido naquele “final de esteira acelerada com franceses turbinados à esquerda”.

    Detalhe: essa não seria a única ocorrência com carrinhos de bebê em esteira/escada rolante em Paris, mas essa já é uma outra história... não é mesmo, Iara?

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  4. Parte IV

    Quanto ao sucesso que Rejane e eu obtivemos em nossa solicitação (de acondicionar queijos e vinhos na geladeira da cozinha do hotel e de conseguirmos o franco fornecimento de facas, garfos e de um estratégico saca-rolhas) com o recepcionista da noite (que só falava francês e nós não!!!), esclareço os fatos:

    Tudo saiu a contento, ou melhor, nosso sucesso absoluto ocorreu graças à nossa total falta de noção, ops!, isto é... foi graças à nossa predisposição em não ter vergonha de pagar “micos” (ou teriam sido “King Kongs”!!! Sei lá!).

    Bem... eu, naquele meu in-com-pa-rá-vel “francês capengá”, e a Rejane, com seu in-su-pe-rá-vel “mimiquês”, contamos, na realidade, com todo o nosso esfuziante carisma e enorme simpatia para angariar a boa vontade e a total colaboração do nosso gentil e atencioso provedor de talheres e de serviços de refrigeração de bebidas e de alimentos.

    Pois é. Nada de mistério: quem pode... pode!

    Abraços fraternais a todos,

    Luís com s

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  5. Meu, que meleca que vocês fizeram com o queijo e a manteiga! Minto! Vocês não, o calor Franco-Sudanês! Hahaha.

    E que catracas e esteiras malucas eles tem! Pela madrugada!

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  6. Hahaha que história hilária!!! estou rindo muito aqui só de imaginar a cena! É verdade, é melhor encarar um "embolamento" humano do que trombar com os franceses que vem pela esquerda hehe

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    1. E a gente reclama dos apressadinhos do metrô de São Paulo... perto dos franceses, eles não são de nada!

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